quarta-feira, 8 de junho de 2011

A Educação vem do berço e o Educador vem de onde?

Colegas
Relato um episodio de homofobia ocorrido ontem, 6/6 numa escola pública no centro de Salvador. Meu companheiro Ronaldo, 24 anos, realizando estágio de pedagogia numa turma infantil de 3 a 4 anos, no segundo dia do estágio, um menino chamou: pró, pró!, aí outro retrucou alto: não é pró, é bicha..
Ronaldo é franzino, delicado, mas não desmunhecou nem fez nada diferente para justificar tal comentário. Então Ronaldo falou com a professora, quando um outro menino de 4 anos completou: Ele não disse bicha, disse viado!
A professora ficou revoltada, pegou o menino e deu-lhe uns chacoalhões dizendo: Não repita mais isso! tem de respeitar o professor.
Já imaginaram a gravidade e profundidade da homofobia , aos3 anos esse diabinho já identificar um gay e se sentir suficientemente poderoso e superior, para insultar um professor recém chegado na sala de aula.
Luta difícil essa nossa, ter de enfrentar preconceito que já vem do berço!
Segue abaixo outro episódio, observado e descrito por um antropólogo americano em 2002, publicado no nosso livro MATEI POR QUE ODEIO GAY, disponível no site www.ggb.org.br
. PROFESSOR VIADO: UM EPISÓDIO DE HOMOFOBIA INFANTIL NA BAHIA
Lance Arney
Doutorando em Antropologia, Emory University, Atlanta
Na tarde de 3 de maio de 2002,  apenas duas semanas depois de fazer uma tradução para o inglês do release do livro do GGB, O Crime Anti-Homossexual no Brasil, testemunhei uma cena que vividamente ilustra a extensão da homofobia   na sociedade brasileira. Quando eu preparava  minha comida na cozinha de meu apartamento, no bairro Dois de Julho, em Salvador, subitamente ouvi vozes de crianças na rua gritando “viado! viado!”  Olhei para fora pelas janelas da frente e vi cinco crianças pequenas, com idades entre 7 e 10 anos, perto dos portões de trás do Colégio Ypiranga. Observei incrédulo como escreviam em letras maiúsculas, com giz branco, em bom tamanho, nos portões de cor verde do Colégio: VIADO PROFESSOR .   ASS…VIADO.       TODO MUNDO CORNO.
Os desenhos de dois jogos de genitália masculina (pênis e testículos) e ao lado a representação de alguém com pernas abertas oferecendo seu ânus acompanhou o texto do primeiro portão. Depois que as crianças terminaram de escrever, elas começaram mais uma vez a gritar furiosamente “viado!” e bateram e chutaram os portões com violência. Então desceram correndo a rua, desaparecendo na esquina. Um segurança do Ypiranga veio para fora alguns momentos depois, mas chegou tarde demais para poder ver ou fazer qualquer coisa.
Três características sobressaem nesta pequena a cena de homofobia infanto-juvenil: as dinâmicas sociais de preconceito, a maneira em que a mensagem foi escrita, e as idades dos perpetradores. O “VIADO PROFESSOR” é muito provavelmente alguém que as crianças conhecem, não um desconhecido. Talvez seja um de seus próprios professores. Contudo, as crianças não se referiram a ele pelo seu nome. Contrariamente, elas desindividualizaram o professor ao categorizá-lo dentro de um  estigma, desumanizado no grupo dos  “viados.” As crianças insultaram  e apontaram que “um” professor era viado, mas na verdade,  mas faltou-lhes a coragem para identifica-lo e assinarem seus nomes abaixo do grafiti.  Se protegeram no anonimato.  Sua mensagem não foi algo que elas tivessem a força de dizer pessoalmente ao professor e nem, ao que parece, a outras pessoas. De fato, em certo momento, quando uma senhora idosa passou por elas, um menino do grupo pôs-se à frente da mensagem e usou seu corpo para esconde-la da visão da mulher. Sua tentativa de ocultar  o seu “trabalho” trai o seu próprio sentimento de vergonha e de estar fazendo “coisa errada.” Além disso, as crianças necessitaram do apoio uns aos outros para realizar o seu feito. Seu ato de homofobia foi um ato de grupo. Elas ainda usaram este ato grupal  como uma oportunidade de demonstrar bravata e poder, enquanto competiram entre si mesmos sobre quem era o mais  corajoso  para escrever nos portões, e discutiram sobre quem sabia a grafia correta de “viado.” Sua ousadia foi perdida, naturalmente, assim que o ato foi consumado, pois todas de elas fugiram de cena apressadamente.
O próprio formato da mensagem revela outras características sobre sua função. A declaração homofóbica das crianças foi escrita e publicada, feita visível de modo que todas as outras pessoas pudessem familiarizar-se com ela. As crianças quiseram que sua mensagem fosse preservada, e que o público geral o visse e lesse.. Mas a mensagem de giz nos portões do Colégio Ypiranga foi mais do que somente pichação. Foi uma pequena paródia do ato de ensinar. Ao  imitar um professor numa sala de aula escrevendo lições no quadro, elas escreveram lições nos portões, ensinando aos transeuntes algo poderoso que elas haviam aprendido: a homofobia.
Onde crianças tão jovens aprenderam a odiar gays? Ninguém nasce odiando ninguém. O ódio e comportamentos violentos são aprendidos socialmente. Estas crianças aprenderam de outras pessoas atitudes e comportamentos homofóbicos, assim como sua concepção de sexo entre homens. Quem lhes ensinou tal sofisticação? Certamente, em seu pequeno grupo, elas compartilharam a aprendizagem de seu ódio a gays, entre si. Como eu tentei fazer ter sentido o que eu havia testemunhado e me perguntei sobre o que poderia ser feito para prevenir crianças de transformarem-se em pessoas com tanto ódio, com tão pouca idade, lembrei-me de algumas palavras do professor Luiz Mott (este sim, um “professor viado assumido...”) no texto do lançamento que eu havia tão recentemente traduzido, especificamente sua chamada para a “implementação de cursos de educação sexual em todos os níveis escolares, transmitindo aos jovens noções de respeito à livre orientação sexual” como uma das medidas em curto prazo para erradicar a homofobia.
Se crianças tão jovens quanto as que eu havia observado, desenhando caricaturas de uma homossexualidade difamada são capazes de tal entendimento maduro de sexo e preconceito sexual, então não é tão cedo para se iniciar sua educação sexual. E se a elas não forem ensinadas “noções de respeito à livre orientação sexual” desde muito cedo, então alguém seguramente lhes ensinará algo diferente, tal como  odiar gays, por exemplo - o que elas, por sua vez, ensinarão a outros, que ensinarão a outros, e assim por diante, construindo teias intrincadas e redes de preconceito social.
Dois dias depois deste pequeno episódio de homofobia, chuvas pesadas finalmente lavaram dos portões verdes do antigo Colégio Ypiranga  a mensagem das crianças. A mensagem permaneceu  ali porque ninguém da administração da escola,  ou qualquer outra pessoa passando em frente e que leu a mensagem,  se importou ou pensou que valia  a pena apagar manifestação tão explícita de preconceito. Talvez a homofobia seja parte do currículo da escola. De qualquer maneira, a lição que as crianças ensinaram ao público sobre homofobia foi eficaz: pouco depois de a chuva haver parado, uma outra pessoa escreveu no mesmo lugar e da mesma maneira a palavra “VIADO” (mas desta vez com só um jogo de genitália masculina), assim demonstrando o que havia aprendido, ao imitar os ensinamentos de crianças tão precocemente preconceituosas. Triste Bahia! Como disse Gregório de Matos, o poeta Boca do Inferno ele próprio denunciando em vários de seus poemas, que o Governador desta Boa Terra era fanchono a forma como chamavam antigamente os viados.

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